quinta-feira, 2 de junho de 2022

fodapracaralho@zipmail.com

eu já cheguei à conclusão que isso aqui é pra tempos de crise. às vezes uma crise escrotona, que parece que não vai passar nunca. às vezes mais leve e consciente. mas sempre uma crise. pra descobrir quem eu sou. ou pra lembrar. e é bem desordenado porque é assim mesmo. não tem roteiro pra pensar. bem, mas a crise. quando ela vem, ela tem várias fases. tem a fase da angústia, do desespero, da falsa sensação de que assumi o controle, a fase da negação da crise como se já tivesse superado. tem a fase de consciência e de aceitação de que ela continua aqui vivinha. e tudo isso tem um pensar torturante. às vezes é torturante porque é quase ensurdecedor. às vezes é bem fraquinho, quase imperceptível, mas constante e irritante. e como um barulhinho inocente, diário, noturno, no café, no banho, a todo instante, corrói.

eu. de novo eu. já aprendi algumas lições nessa vida. na porrada, sempre na porrada. aceitar. não falar tudo o que eu penso. não pensar muito. mas como eu também já percebi: entendo, mas não consigo aplicar. alguém consegue, jesus? me diga. e se eu não pensar, como que evoluo? tá, beleza, também não adianta pensar, pensar e não sair do lugar. até porque pra sair precisa agir, né. 

mas, olha. eu fico impressionada. porque eu agi foi muito. como sempre nessa vida ou eu tô na merda ou eu tô no céu. é de zero a mil num segundo. errado tá, a gente sabe. mas eu agi. e agir me trouxe muito. inclusive o não pensar. 

mas, voltando, quando eu penso, ó o que eu penso: eu me acho foda pra caralho, igual aquele zipmail. eu acho que eu já era muito foda. às vezes eu acho que eu era muito mais foda, agora sou fodinha. porque como que eu tão jovem sabia tanto das coisas? eu simplificava tudo, porque é simples. aí eu fiquei velha e criei um monte de floreado em volta das coisas simples e, de repente, parecia aqueles casamentos de rico que tem flor até no teto e ninguém entende se é casamento ou hortobotânico. e as coisas simples ficaram complicadas e eu tenho que pagar quase 700 paus de terapia pra ver como as coisas simples estão embaixo de todas essas florezinhas de mato que dá em qualquer lugar e alastra igual praga. bonitinhas, mas dão muita dor de cabeça.

hoje eu vejo assim: eu vejo que tem crise, mas que entendo porque ela existe. eu vejo que ela pode nunca ter fim, que angustiante, meu deus. mas eu vejo que ela pode ser quase que totalmente superada. acho que resquício sempre vai ter. mas, como a rosa falou sabiamente outro dia: uma paisagem bela o tempo todo entedia. e os pequenos (ou grandes) eventos extraordinários, ainda que assustem, nos fazem reaprender a ver o belo. e eu me vejo assim. em crise. mas gata. em crise, mas inteligente. em crise, mas aprendendo. em crise, mas com sabedoria. sem modéstia mesmo, que se foda a modéstia. tô me achando foda e foda e foda, mesmo às vezes cagada no chão. me achando foda reconhecendo e gritando pra todo mundo no meio da rua enquanto converso com a alê, é, me fudi mesmo, fico triste, eu choro, fiquei mal. porque é foda quando a gente identifica, aceita e expressa de verdade o que a gente sente sem receio do que o outro vai pensar. que se foda, sabe?

botei o título agora, será que esse e-mail ainda existe? o que eu tinha na cabeça pra criar isso? era o meu eu do passado se comunicando com meu eu do futuro? dark. de qualquer forma, é um lembrete. do que eu era e do que eu sou. palavras de autoafirmação importam. ainda mais se elas forem conscientes e não um truque pra disfarçar inseguranças. agora eu percebo que eu posso muito, que eu sou muito. e que o que eu não sou, não consigo, simplesmente não é eu. e de boa. é só reconhecer, isso aqui sou eu. essa parte aqui não sou eu. não é isso que vocês querem? de boa, vocês querem outra pessoa, não eu. falou. pronto. 

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

bolinha

eu vejo elas dormindo confortáveis, ronronantes e dou graças por dar um lar com amor. eu penso que eu não sei onde o bolinha tá e me dá uma dor.

***

sujo, maltrapilho e esquelético, tu apareceste embaixo do nosso carro. escondido no escuro, depois de revirar o lixo. tinha um sangue escuro no teu pescoço e um corte no focinho, que te davam um ar de morte e abandono. medroso, arisco. a gente começou a te dar comida porque ficou com pena de te ver revirar o lixo. e com medo que te batessem por rasgar os sacos. mas não tínhamos ideia se ias sobreviver. era tão difícil tu te aproximares.

com o tempo, a ferida cicatrizou e aquele sangue velho foi saindo. o que antes era só pele e osso, foi virando uma barriguinha safada. a gente viu teu olho azul. a cicatriz do rosto foi sendo coberta pelos pelinhos, que aos poucos vimos que eram brancos com umas partes cinza claro. esse branco evidenciou as tuas duas bolinhas pretas embaixo do rabo e, rindo, a gente decidiu te chamar de bolinha, apesar de contar pra todo mundo que o nome era por causa da tua barriga.

alguns vizinhos do prédio também se solidarizaram e te davam comida. teve vizinho que comprou ração só pra te dar. mas, com o passar dos meses, só a gente seguia cumprindo o rigoroso dever de te alimentar, fizesse chuva ou sol. tu já conhecias o barulho do nosso carro, da chinela quando a gente andava e do pote que a gente sacudia com a ração. era um miau miau miau doido nessa hora. a gente pensou em te resgatar, planejou. mas com as duas gatas estressadas e perdendo pelo, eu tive muito receio de colocar elas em risco, ainda mais depois que eu vi que a nina só melhorou com antidepressivo. 

eu me resignei em te ver na rua, tomando água da vala, se abrigando na casa abandonada, amontoada de lixo, dormindo embaixo dos carros à noite, tendo que fugir do gato rabudinho que reivindica esse território. me contentei em saber que tu te abrigava aqui no prédio, às vezes no tapete de casa - porque notei os pelinhos brancos nele - quando já tava bem tarde da madrugada e quando chovia, porque a casa abandonada ficava alagada quando chovia.

***

o novo capítulo da tua história começou mais de um ano depois, quando o vizinho que tinha passado a pandemia quase toda fora da cidade voltou. e ficou com tanta dó e quis te adotar. mas tu tão arisco, tão desconfiado. ele tão sem jeito, tão sem te conhecer. eu tentei ajudar vocês dois, me estressei. porque não dava certo e agora eu tinha pressa em te tirar da rua.

acabou que ele viajou de novo e pediu pra eu te cuidar. agora tu já tinhas vasilhas de água e de comida, que ficavam na porta do prédio. alguns vizinhos mexiam contigo, outros pareciam não ligar. de qualquer forma, eu já não me preocupava mais porque sabia que logo tu ia sair dali. mas acho que não deu tempo.

***

quando eu vi o finalzinho do filme que tava passando no domingo e o bichinho que recebia um abraço da menina que o adotou falava pro outro "então, isso que é o amor?" eu chorei que só porque eu lembrei que o bolinha não sabia o que era amor. e que tem tanto bichinho que não sabe. eu fiquei com vontade de descer, mas como não queria te dar mais ração, porque tu tava muito gordo e ia miar alto até eu te dar, eu não quis descer pra não te deixar mais rechonchudo. eu acho que eu errei em não descer, nem que fosse pra ter que te dar 3 grãos de ração e trocar tua água. mas eu nem sei se tu ainda estaria lá.

***

oito da noite, domingo a gente fica tão sem horário que acabei atrasando em uma hora a tua comida. um pouco antes de eu descer, eu vi a mensagem no grupo do prédio. abri a porta e vi aquela cena aterrorizante. o chão do primeiro andar cheio do que parecia ser sangue seco, parecia um filme de terror. na minha porta, pisei em alguma coisa grudenta, não sei se era saliva ou bile. ou xixi. desci correndo e tuas vasilhas tinham sumido. tu sumiste. corri pra casa abandonada, olhei debaixo dos carros, dentro do lixeiro, andei pelo quarteirão. subi o segundo andar. nem sinal. 

***

essa história ainda não teve fim. ou eu ainda não me acostumei com esse final, não sei. eu vou descer com a vasilha de ração mais tarde e sacudir e esperar pra ver se tu vens. eu não sei se o vizinho escroto aqui do lado, que assim que eu perguntei de ti começou a demonstrar a insatisfação por tu ficares no prédio, fez alguma coisa contigo. numa conversa muito esquisita, ele disse que não tinha te visto. depois, disse que viu sim, mas que tu tava normal e limpo, apesar de estar no meio do chão todo sujo de sangue. eu não sei se ele fez alguma coisa ruim contigo, mas a certeza é que ele não fez o que deveria fazer. não te socorreu, nem avisou ninguém pra fazer isso. também não falou de imediato quando eu perguntei, preferiu reclamar da sujeira, que, aliás, parece que ele foi o primeiro a notar.

eu não sei se te bateram, não tem rastro nas escadas. não sei se mataste um bicho e saiu pra dar uma viajadinha por uns dias. não sei se te envenenaram. não sei se levaram teu corpinho, vivo ou morto. não sei se essas manchas não tem nada a ver com teu sumiço, se algum doido ensanguentado passou por aqui e conseguiu sujar o chão sem deixar pegadas e limpou só a sujeira as escadas. ou se passou com um lixo podre ou uma carne descongelada e deixou esse presente no corredor. mas tuas vasilhas sumiram, isso alguém fez de propósito. 

ô, bolinha, me perdoa.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

resoluções (?)

 bora lá então:

- eu queria mesmo era saber o que é estar bem. mas acho que pra isso eu não preciso bem saber. eu só preciso estar. aí pra estar, eu preciso pensar e fazer outras coisas. aí que coisas são essas? 

bora lá então, de novo:

- perder e ganhar. preciso inverter essa lógica. não perdi, eu ganhei. às vezes o ganho é uma dor de cabeça? sim. não, não. acho que tá errado isso. não é por aí. talvez seja: eu não perco tempo, eu ganho com alguma coisa. aham. aí sim. eu não perdi tempo fazendo nada. eu ganhei, me permitindo não me ocupar com qualquer coisa útil. bela desculpa. mas aí também já tá errado chamar isso de desculpa. porque a vida é assim, uma hora a gente quer ou precisa fazer algo; outra hora a gente até quer, ou não quer fazer, ou precisa, mas não consegue fazer. porque nem sempre a gente consegue fazer, então não é desculpa. mas é bonito pensar assim. então vamo ficar com o belo. 

- aceitar e deixar ir. o que eu sou, mais do que eu tenho. e deixar ir o que não me pertence. o que não combina comigo. o que não me é próprio. mas também me apropriar do que é meu e, às vezes, não reconheço. aqui é pra falar, fazer, não fazer, deixar de pensar, deixar ficar e deixar ir. aqui acho que, mais do que pensar, é fazer mesmo. pensar já chega.

- pensar em não pensar. aqui é uma continuação dali.